Insônia dos infernos

Conversa pra gente dormir

Selma Vital
5 min readMar 29, 2021
Photo by Daria Shevtsova from Pexels

Desde criança sofria com insônias que, diziam os adultos, criança não tem. Ninguém me levava a sério. Sei que sempre me julgavam exagerada, ultra sentimental. 'Inventora de moda', provocava minha mãe.

Numa época moramos numa casa em que, sussurava-se, uma mulher teria se matado no banheiro. Os parentes que moravam na vizinhança, bem antes de chegarmos, nunca confirmaram o ocorrido; nem negavam. Eu nos meus nove anos, dormindo num quarto que dividia com minha irmã, e muito perto do tal banheiro, passava madrugadas agoniada esperando que o fantasma da suicida aparecesse.

Nunca de fato aconteceu, mas tenho gravada na memória a luz que vinha do corredor, absolutamente necessária para espantar ectoplasmas intrusos, e a imagem da mulher vestida de empregada, num uniforme preto com rendinha branca nas bordas. Alguém deve ter dito que ela era a empregada da casa, e embora eu nunca tivesse visto uma empregada de uniforme, tinha impregnados os modelitos de telenovela da Globo e dos filmes da sessão da tarde. Hoje me pergunto por que alguém se mataria trajando um uniforme.

Cresci, os fantasmas sumiram, e as insônias iam e vinham, sem nunca de fato desaparecerem. Até chegar o tempo da faculdade. Naqueles anos me curei . Aliás, cochilava em lugares inusitados, como o ônibus mais desconfortável, barulhento e chacoalhento do mundo. Tinha até barata paulistinha!

A frota toda era um trambolho, uma empresa chamada Riacho Grande, que fazia o percurso Parque D.Pedro II -São Bernardo do Campo, via Rudge Ramos, onde eu saltava (saltar dizem os cariocas, em São Paulo descemos do ônibus), mas naquele tempo eu era bem saltitante, então faz sentido.

A viagem era longa no horário de pico e quando era compartilhada com uma colega tão cansada como eu, o acordo tácito era usarmos o tempo pra dormir mesmo. O embaraçoso no meu caso é que eu sonhava, acordava assustada e dava a maior bandeira. Uma vez fui caindo pra o lado do corredor do ônbius, porque no sonho estava caindo numa vidraça…Acordei me sentindo patética. Felizmente hoje é só engraçado.

Na verdade, isso começou no cursinho. Como o caminho entre o trabalho e o cursinho era curto, eu dormia mesmo durante a primeira aula e tinha dor de cabeça na segunda. Alguns professores, que tinham a tarefa de serem animadores de auditório, faziam piada de quem fosse pego dormindo. E então eu vivia em pânico, temendo ser a próxima vítima de chacota numa sala com mais de 100 pessoas.

Não dormia na volta para casa, tarde da noite, porque naquele horário tinha de estar 'atenta e forte' e sobrava cansaço. Quando finalmente me deitava, apagava imediatamente, e dormia um sono pesado, opaco, nas poucas cinco horas que me cabiam. Por anos, dormir era meu sonho de consumo.

Quando a rotina ficou mais normal, voltaram as insônias, embora esporádicas. E podiam ser avassaladoras. O lado brilhante é que uma boa noite de sono te dá uma felicidade ímpar, dessas que a gente quer contar pra todo mundo: eles sabem bem disso aqui em casa…

Algumas vezes fico com uma baita inveja ao ver meu marido dormindo pesadamente enquanto não prego olho. Minha sogra, ela própria uma insone, sempre disse que são abençoados os que dormem como ele, e eu fico cobiçando as bênçãos dele.

Eu não tenho propriamente truques ou técnicas para dar uma rasteira na insônia, apesar de ter tentado muita coisa nesses anos todos. Conheço algumas mulheres que adotaram de vez os remédios para dormir. Eu resisto, sempre resisti. Se tiver que estragar meu fígado que seja com algo mais prazeroso. Enfim, não julgo: são escolhas muito pessoais e cada um encontra sua forma de lidar com seus demônios cotidianos.

Aqui algumas táticas, nem todas tentadas e mesmo as tentadas nem sempre bem sucedidas.

  • Sexo é senso comum. Certamente recomendável, se o contexto permitir, mas não é garantia, sabemos todos.
  • Tomar chá de ervas tipo camomila e obviamente evitar cafeína, se possível depois de 5 da tarde. O chazinho noturno pode dar vontade de fazer xixi no meio da noite e neste caso é contraprodutivo.
  • Nunca ler notícias ou emails antes de dormir (adotei isso há anos). Hoje prefiro ler ficção, mas atenção: dependendo do tema pode também ser gatilho de insônia;
  • Ir dormir no lado contrário da cama, ou seja, no lugar onde estariam seus pés, um truque que só funciona ocasionalmente;
  • Se a insônia persistir por mais de uma hora, nada de ficar virando no colchão tipo bife na frigideira: levantar e ir ler na sala (nada de eletrônicos);
  • Se preocupações com tarefas te mantêm acordada, anote tudo o que precisa ser feito num papelzinho para se livrar da função de pensar nisso (a técnica nunca funcionou comigo);
  • Contar mentalmente carneirinhos ou qualquer outra coisa fofinha. Tenho uma versão esquisita: costumo fazer mentalmente minha árvore genealógica, tentando lembrar os nomes de cada um, quem é filho de quem, os filhos dos filhos. No meu caso rende muito porque tenho toneladas de primos. O problema é que pode ter efeito contrário quando você começa a se esforçar para lembrar nomes, idades, parentesco… Deve ser inútil para quem tem família pequena.
  • Meditação (nunca consegui!);
  • Dreamcatchers (aquelas peças, típicas dos indígenas dos Estados Unidos) são bom patuá para quem tem sonhos ruins, porque diz a lenda que os capturam em suas teias. Tenho uma história bonitinha sobre isso. Quando meu filho tinha uns cinco anos, entrou numa fase de ter sonhos assustadores. Eu não tinha um dreamcatcher em casa e então apliquei o mesmo princípio para um peso de papel, tipo uma bola de vidro. Coloquei a peça sobre a mesa de cabeceira dele e garanti que ela absorveria todo o sonho ruim que quisesse entrar no sono dele. O placebo deu certo! Duvido, porém, que funcione contra insônia.

Muita gente tem TV no quarto. Houve um tempo em que tivemos e foi péssimo. Eu até dormia asssistindo algo e daí acordava no meio da noite frustrada por ter perdido o que assistia e depois disso acabava tendo insônia de qualquer jeito.

Ainda quando meu filho era pequenininho, líamos alguns livrinhos para ajudá-lo a dormir e criar um ritual que demarcasse com consistência o momento de ir dormir. Um dos meus favoritos era um em que um cachorrinho listava tudo o que tinha feito naquele dia e depois dormia feliz pensando em todas as brincadeiras que queria repetir no dia seguinte.

Como adulta, quando penso nas coisas que fiz no dia, acabo tomando atalhos para outras situações da minha vida e a viagem pode retroceder anos, até décadas. Ao invés de me relaxar termina por me deixar desperta. Sou capaz de revirar memórias de problemas mal resolvidos totalmente desnecessárias. Toda cautela é pouca se optar por esse caminho.

Meu plano é dormir muito bem, depois de uma noite insone e cheia de sonhos maus. Portanto, se tiver seus próprios truques não deixe de recomendá-los nos comentários. Sweet dreams!

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Selma Vital
Selma Vital

Written by Selma Vital

Sou jornalista, professora e leitora apaixonada e sem método. Conheça meu projeto https://claraboiacursos.com/