Elisa, a professora — parte 2

Selma Vital
18 min readJan 9, 2024

Daqui a pouco chega a terceira 'temporada' da série, que foi publicada no Instagram. Os primeiros 20 pequenos capítulos você pode ler aqui. Então agora adiciono os outros 20, tudo isso em preparação para os próximos 20! Conheça ou reencontre Elisa, a professora.

1. A volta foi melhor do que o esperado. Elisa estava de ótimo humor e, milagrosamente, o café da sala dos professores estava delicioso!

Quando menina, Elisa tentava imaginar o que existia na tão misteriosa sala onde professores, que ela adorava e odiava, se encontravam… Sobre o que será que conversavam?

Agora que tinha acesso a tal sala, ria das suas conjecturas infantis. Em uma das escolas, as janelas eram enormes e havia uma mesa oval ao centro, um buffet com garrafas térmicas com café e algumas professoras levavam biscoitos, às vezes.

Na outra, a sala era menor, havia algumas mesas pequenas espalhadas e uma pequena cozinha com um micro-ondas, uma mini geladeira e uma pia. Havia também um mural de avisos e um único computador, muito disputado nos intervalos.

Nesta também havia uma entrada para a sala da coordenadora pedagógica. A mesa dela tinha de um lado uma delicada cestinha com balas de caramelo, de outro uma caixa de lenços de papel…

2. A segunda metade do ano nem sempre trazia novidades. Mas desta vez Elisa tinha dois alunos novos. Um do nono ano, e uma menina no sétimo, de Inglês.

Enquanto a garota se enturmou rapidinho, o menino parecia mais isolado a cada dia… Foi então que ela resolveu comentar a situação com os colegas na sagrada sala dos professores.

O professor de matemática, piadista inveterado, cujas piadas nem sempre funcionavam, disse que o problema do aluno era o nome. Quem se chama Clóvis em pleno século 21? Elisa deu um sorriso meio sem graça, mas teve uma ideia!

A aula era de português… mesmo assim ela levou um trechinho da famosa peça Romeu e Julieta, de Shakespeare, e escreveu no quadro o trecho em que Julieta questiona O que há num nome?

3. Poucos conheciam mais da história. Todos sabiam pelo menos que era uma trágica história de amor, mas ninguém se lembrava da tal passagem.

Por que Julieta disse que uma rosa, mesmo que não se chamasse rosa, teria o mesmo perfume?

Bem aos pouquinhos compreenderam que ela usava uma analogia para questionar a rivalidade entre as famílias (dela e de seu amado) e de seus sobrenomes.

Elisa não queria menosprezar a inteligência de seus pupilos entregando respostas. Ao mesmo tempo, se impacientava quando não conseguiam ver o que para ela parecia óbvio.

Mas valeu esperar, provocar… A seguir, pediu que se reunissem em pequenos grupos e contassem aos colegas do grupo a história do nome de cada um. Por que tinham aquele nome?

Elisa reforçou que podiam também dizer se gostavam ou não de seus nomes.

Passado um tempo, ela chamou alguns alunos para compartilharem com a classe a história do nome de um dos colegas do grupo.

Foi assim que ela ficou sabendo que Clóvis era também o nome de seu avô e, mais, soube que ele não odiava o próprio nome… Achava um pouco engraçado? Sim. Na real, adorava o avô, que era um artesão muito legal!

Aparentemente, o óbvio nem sempre é algo unânime.

4. Como tudo isso foi contado por uma menina muito extrovertida, Elisa tentou ler no rosto de Clóvis suas reações. Ele parecia contente em se ver protagonista do relato da colega.

A atividade talvez não ajudasse a integração dele, mas era bom ver que aos poucos o grupo poderia conhecer mais sobre Clóvis, um tímido com muita história a contar.

Foi bom ver também que nem toda narrativa é previsível e que, às vezes, o que incomoda uns não afeta outros…

Elisa não comentou a atividade na sala dos professores. Teria sido simpático compartilhar para que outros colegas tentassem replicá-la em suas turmas.

Ainda estava magoada com a pouca atenção que seu comentário sobre Clóvis recebeu.

Vingancinha boba, infantil, e ela sabia disso… Mordeu sua maçã verde, sem culpa. Vida que segue…

Na próxima aula, a conversa sobre nomes ainda pairava no ar… Duas das alunas mais animadas, bagunceiras e queridas de Elisa, perguntaram por que é que a professora não contava a história do seu nome.

Era justo. Afinal, ela em geral usava a si mesma como modelo em algumas atividades…

Prometeu contar ao final da aula, imaginando que esqueceriam. Que nada! A memória daquela dupla, ficou provada, era afiada e seletiva.

5. A mãe de Elisa, Maria Helena, tinha escolhido Maria Elisa. As inúmeras Marias, de geração a geração, eram uma tradição na família dela.

O pai rejeitou a sugestão de cara. Não queria mais uma Maria e inclusive era muito avesso a essas ‘tradições’… Admitiu, porém, que gostava do nome Elisa. Achava-o curto e festivo!

Se o pai de Elisa tinha opiniões firmes, a mãe dela não deixava por menos. Não faz o tipo que cede suavemente.

Fecharam em Elisa Maria, embora pouca gente soubesse desse segundo nome e, cá entre nós, Elisa preferisse assim, as meninas gostaram da história e, para azucrinar a pobre professora, passaram alguns dias a chamando de professora Elisa Maria!

Ainda inspirada pela experiência dos nomes, Elisa se lembrou de uma outra atividade que não aplicava há tempos: o quebra-cabeças! Mas deixemos isso para logo mais, porque algo acontecia na escola particular…

6. Elisa era uma professora em permanente ebulição. E para ser justa era raro que bancasse a egoísta, como da última vez.

Quase sempre levava suas ideias para trocar com colegas de sua área ou não.

Nesse sentido, apreciava muito a atenção que recebia da coordenadora pedagógica, que sempre apoiava suas ‘loucuras’.

Leonora era uma mulher de uns trinta e pouco anos, muito séria em tudo o que fazia.

Séria no trabalho, sim, mas sempre simpática e sorridente com alunos e colegas. Por isso foi fácil perceber que algo não estava indo bem.

E que talvez a generosa caixinha de lenços de papel, sempre à disposição em sua mesa, estivesse sendo sutilmente consumida por ela mesma.

Lelê, como Leonora era carinhosamente chamada, era meio transparente. Nisso, aliás, lembrava muito a própria Elisa.

Enquanto Lelê era sempre a primeira a apoiar inovação, e se animar com propostas de professores e alunos, ela e a diretora batiam de frente.

Como a escola era particular, sofria permanente pressão de pais que queriam que a escola, pela qual pagavam, focasse em preparar seus filhos para os vestibulares e o Enem.

Elisa ficou sabendo disso tudo num dia que tomou coragem e perguntou se Lelê gostaria de tomar um café depois do turno da tarde. A coordenadora sempre ficava na escola além do horário, mas naquele dia aceitou o convite sem hesitar.

7. Duas semanas depois, Leonora pediu demissão. Foi fazer mestrado em São Paulo. Na área de currículo, que ela adorava.

Lelê não cedeu à pressão. Discordava do rumo que a escola estava tomando.

Insistia que não era saudável para as crianças começar o estresse dos testes simulados tão cedo, ainda no Fundamental 2.

Apesar de triste por perder a coordenação e a parceria tão cheia de energia de Lelê, Elisa sentiu um misto de orgulho e de gratidão ao perceber que ainda havia educadoras assim.

Idealismo de pertinho é bonito, sim!

De longe, parecia um final feliz… Pelo menos pra Lelê.

8. Um pouco em homenagem a Leonora, Elisa reativou uma atividade que ela batizou de quebra-cabeças. Ok, nada muito criativo… A atividade, em si, era bem simples também.

Mesmo sendo simples, quase nunca as coisas aconteciam da mesma forma. E a atividade podia ser adaptada a vários cenários.

Dependia muito do texto que usavam, do grupo de alunos e até da forma como Elisa facilitava a dinâmica.

Em linhas gerais, ela escolhia um texto, que podia ser mais longo ou mais curto, de acordo com o número de estudantes.

Depois de tirar cópias, ela picotava o texto em trechos e distribuía cada parte a uma pessoa. Os alunos tinham de sair pela sala procurando o que fazia sentido antes ou depois da frase (ou frases) que possuíam.

Idealmente, tinha de se escolher um texto que a maioria dos alunos desconhecia. Na aula de português o texto podia ser mais complexo, nas de inglês, um pouco mais fácil.

Importante também entregar picotes de cópias diferentes, para os espertinhos não tentarem simplesmente buscarem o recorte que mais se encaixasse.

Uma vez Elisa tinha até mesmo feito cartões plastificados de cada passagem do texto! Era bem divertido! E um bocado barulhento!

9. Isabela, colega de Português, fazia a mesma atividade de forma digital! Mas os alunos trabalhavam sentados.

Elisa, no entanto, gostava de ver todo mundo se levantando e andando, se mobilizando para encontrar o próximo parágrafo ou o anterior.

No dia do quebra-cabeças, inclusive, as carteiras eram afastadas para os cantos. Um círculo ao centro dava o tom!

Às vezes, ela fazia a atividade como competição, entregando o mesmo texto a dois ou três grupos. Ganhava o que conseguisse montar o texto primeiro.

Depois de conferirem se o texto estava na ordem correta é que brincavam de inverter a ordem e ver se ainda fazia sentido. Sempre rolava alguma coisa engraçada.

Daí vinha a fase de discutir o texto em si . No fim, liam tudo sem nem perceber. Ou percebendo de um jeito diferente.

O novo professor de história, por quem Elisa nutria um crush discretíssimo, roubou a ideia.

Entregava cartões e cada um continha a descrição de um evento histórico. Os alunos tinham de colocá-los em ordem cronológica.

Ele então escolhia o evento que seria o tópico da aula. Em grupos tentavam entender como um fato anterior afeta e se liga ao que vem depois.

Perceber essas ligações, no Brasil e as leis de causa e efeito ajuda a compreender muito do que acontece no Brasil. Um quebra cabeças desses, bicho!

10. A escola estava na expectativa da chegada da nova coordenadora pedagógica. Era a bola da vez nas conversas de corredor.

E apesar de ter interesse em saber quem iria substituir sua querida Lelê, Elisa recebeu um e-mail que dominou toda sua atenção.

Nenhum contato pessoal de Elisa mandava e-mail. Além das coisas do trabalho e newsletters que ela assinava, só uma pessoa ainda escrevia longos e-mails: Tia Dinda!

Tia Dinda era uma das Marias da família de Elisa, Maria Clara, irmã mais velha de sua mãe. Como também era madrinha de Elisa acabou virando Tia Dinda!

De uma certa maneira, Tia Dinda tinha inspirado Elisa a se tornar professora, embora a tia sempre se apressasse em se defender, divertida “Não tenho culpa nenhuma”.

Era das poucas da família com quem Elisa podia passar horas conversando. Diferente das irmãs, Tia Dinda era uma ovelha negra ao melhor estilo.

A mensagem, que desta vez era curta, a deixou na maior empolgação. Tia Dinda passaria um fim de semana inteiro na cidade onde Elisa morava.

E agora Elisa só pensava na programação da visita. Onde levar uma tia que viajava tanto e tinha tantos interesses?

Por sorte, umas semanas antes uma professora aposentada tinha aberto uma pequena livraria que de um lado tinha a seção de livros novos e de outro um sebo com uma seleção modesta mas caprichada.

Ah, e na frente um pequeno espaço em que se vendia café, alguns tipos de chá, biscoitos e bolo! É paraíso que isso chama?

11. Um dia, quando Elisa era pequena, Tia Dinda apareceu em sua casa com uma muda de árvore. O tipo do presente inusitado, que era a cara da tia.

Encontraram um bom lugar no quintal e munidas de pá, regador e luvas (junto com a muda veio um kit infantil de jardinagem para Elisa) plantaram a arvorezinha.

Até que se mudassem daquela casa, Elisa religiosamente cuidava da árvore, que ela viu crescer.

Isso era o que Elisa mais gostava em sua Dinda. Quase tudo que ela fazia parecia ter um propósito. E ainda que um um tanto avoada e desorganizada, o mantra dela era “buscar o cosmos e não o caos”.

Tia Dinda apreciou cada pequeno gesto de sua anfitriã: a livraria bonitinha, o passeio no parque da cidade, tomar picolé à sombra de uma frondosa figueira.

E a conversa, mais uma vez, não desapontou. Com a tia-madrinha, Elisa se sentia escutada e o que mais curtia era a sensação de que falavam muito mas nunca demais.

Podia ser de cinema, de uma recordação de família, de uma série boba de TV… Tia Dinda jamais aceitava um comentário inócuo. Como ela gostava de falar.

Depois de dois casamentos e sem filhos, ela agora se preparava para se aposentar como professora de História, sua grande paixão, e ir morar perto do mar, um sonho antigo.

Elisa tomou coragem pra perguntar se Tia Dinda não se sentia sozinha. A resposta veio depois de uma pausa, e Elisa por um minuto se arrependeu de ter perguntado.

“Desconfio que o segredo seja distinguir o estar só, da solidão. É um privilégio estar sozinha quando quero, e um bálsamo saber que não sou solitária”.

12. Na segunda-feira, antes de voltar à realidade, Elisa se pegou pensando na reposta da tia, e em várias das coisas que ela disse naquele fim de semana.

De repente, se tocou que, sim, tinha uma mentora. E que na verdade sempre teve, mesmo antes de saber o que isso significava.

Sole desistiu de esperar que Elisa jogasse sua bolinha de feltro e foi relaxar, com um desdém felinamente superior, sob a faixa de sol que se esgueirava pela vidraça da cozinha. Elisa percebeu que vinha sendo uma péssima colega de casa…

Na escola particular foi marcada uma reunião para que a diretora apresentasse a nova coordenadora pedagógica. Ficou acertado que ela visitaria pelo menos uma aula de cada um dos professores nas próximas semanas.

O clima não era nada eufórico. Era estranho ver outra pessoa ocupando a sala de Leonora. Ainda mais alguém tão diferente.

A nova coordenadora era formal, em todos os aspectos, parecia ter saído de um anúncio de roupas para jovens executivas e empreendedoras.

Ela, Rosane, garantiu que depois das visitas conversaria com os professores individualmente.

Elisa perguntou o que seria avaliado nas visitas. Parecia uma pergunta normal. Rosane olhou para os papeis diante de si e sem olhar para Elisa disse que ela não precisava se preocupar.

“Não estou preocupada. Só interessada em tornar a visita mais proveitosa pra você e pra nós”. Elisa tinha aprendido num curso que o monitoramento das aulas sempre deveria ter um ‘briefing’. Ooops… pelo jeito ninguém mais fez o tal curso.

13. O episódio com a nova coordenadora na reunião foi só o primeiro de uma série de outros.

Nati, filha dos donos da casinha de Elisa, dava aulas de arte só duas vezes por semana naquela escola e mesmo assim percebeu de cara o climão…

Elisa insistia que estava tudo bem. Com toda certeza, alguma coisa não estava. Nati sugeriu que ela usasse o feriado prolongado para viajar.

Mas e se todo o incômodo dos últimos dias significasse perder o emprego?

Elisa não era efetiva na escola da Prefeitura. Melhor economizar.

Tinha passado num concurso que ainda não tinha chamado os aprovados para assumirem seus cargos. E ela sabia que provavelmente não conseguiria permanecer na mesma escola em que ensinava.

Faltava tranquilidade para buscar tranquilidade no feriado prolongado…

O bom é que no feriado finalmente ela seria apresentada a Marcelo, namorado de seu amigo Paulinho.

Foram a um bar novo, com um DJ maravilhoso e Elisa esqueceu o trablaho, escolas e a nova coordenadora por umas boas horas.

No fim da noite, Marcelo disse que, se Elisa permitisse ele queria apresenta-la a um amigo um dia desses. Ela ficou na defensiva. Nunca confiava nesses encontros arranjados. Eram quase tão ruins quanto os tais blind dates…

Mas queria causar boa impressão no namorado do amigo. Afinal, ele estava tão apaixonado. Concordou, desde que fosse algo informal, sem expectativas. Oh, que fofa… Em que mundo você vive, Elisa?

14. Ela não pensou mais nisso, a situação no trabalho continuava complicada. Mas pouco mais de uma semana depois, o próprio Marcelo ligou a convidando para jantar no apartamento de Paulinho.

Marcelo era ótimo cozinheiro e para evitar pressão de qualquer tipo tinha convidado uma colega de Paulinho, e a professora de Pilates, da academia onde os pombinhos se conheceram.

Na hora, Elisa pensou que com a sorte que ela tinha era capaz do ‘pretendido’ ( ah, sim, o nome dele é Gustavo) se interessar pela professora de Pilates, afinal Elisa tinha flexibilidade zero…

Que pensamento esdrúxulo, refletiu.

Achou que deveria comprar uma roupa nova, casual, claro, para não dar bandeira de que estava preocupada com aparências.

Depois concluiu que com seu orçamento atual, ela devia era se preocupar com o bolso.

E se fizesse frio? Seu velho suéter já estava tão manjado. Elisa se sentiu superficial, materialista…

Mas acabou pegando uma jaqueta emprestada da Carla, vai que rola uma frente fria.

Como não gastou com roupa, sentiu-se livre pra comprar um vinho melhorzinho. Paulinho disse que ela não precisava levar nada. Sempre que ela acreditava nisso outro convidado levava uma coisa incrível… Não dessa vez!

Só quando já estava pronta e tinha checado a própria figura umas cinco vezes no espelho grande é que ela pensou no cara. E se esse tal Gustavo fosse um chato? E se ele fosse gay? Mas se ele fosse gay por que Marcelo ia apresentá-lo pra Elisa?

Conferiu se Sole estava confortável e por um rápido instante quase cancelou tudo e ficou vendo TV com ele… Sole não foi solidário. Saiu de fininho, ondulando o rabo, e sem olhar pra trás.

15. Já dentro do Uber, Elisa repassava alguns encontros desagradáveis com homens que ela não conhecia. Memória inconveniente a dela, não?

Uma colega da escola da prefeitura vivia falando de um primo que seria perfeito pra ela. Elisa desconversava até o dia em que já tinha esgotado mesmo as desculpas mais criativas.

Como o cara era da família da colega, ela concordou em sair à noite, um bar um tanto retirado. A regra era sempre almoço e em lugares bem públicos.

Antes de trocarem a primeira palavra, Elisa implicou com a camisa do homem. Ele tinha uma barba super bem cuidada e olhos muito bonitos.

Mas se o diabo mora nos detalhes, o dele morava na camisa horrorosa! A concentração foi pras cucuias e o papo seguia monótono. O fim do mundo chegava, mas não o fim da noite…

No dia seguinte, perguntou à colega: “Por que você pensou que eu e seu primo seríamos match?” Ah, disse ela, porque ambos gostam de filmes e livros… É … pelo jeito, eles e a torcida do Corinthians.

Já no apartamento de Paulinho, Elisa tentou relaxar. A professora de Pilates era uma mulher muito bonita, alta, postura de atleta. Devia ter uns 30 anos. A colega de Paulinho era mais velha, super gente boa. Mas nem sinal do Gustavo.

Antes de abrir o vinho caro de Elisa, Paulinho trouxe mojitos e quando Gustavo apareceu Elisa já tinha experimentado mais de um deles.

Ombros largos, nenhuma beleza especial, mas a presença de Gustavo fez todo mundo mais animado. Elisa ainda não estava certa se foi mesmo encanto do moço ou efeito do rum daqueles mojitos.

Uma noite perfeita, dessas de botar estrelinha no calendário. Conversando com Gustavo, em alguns momentos Elisa esquecia que havia quatro outras pessoas na sala. Precisa dizer que o tempo voou?

16. Não aconteceu nadinha entre Elisa e Gustavo além de um beijo desajeitado no rosto nas despedidas.

Ele ofereceu carona, gentilíssimo. Ela recusou polidamente porque na chegada já tinha aceitado a oferta da Marilu, colega do Paulinho. Sobre isso, Carla iria gargalhar, com certeza.

A manhã seguinte, era um domingo, Elisa acordou radiante e nem reclamou dos maus modos de Sole, que insiste em não deixá-la dormir até tarde.

Gustavo tinha colocado o telefone dele direto no celular de Elisa e disse que ela podia passar o dela naquele número quando ela quisesse…E ela queria.

Mas antes precisava ligar pra Paulinho e Marcelo. Será que ele tinha pensado no Gustavo por que eles dois gostavam de livros e filme? Riu da própria piada…

Agradeceu a Paulinho pela noite e pelos mojitos e quando falou com Marcelo, depois de elogiar a comida, abriu o jogo. Entendeu que os dois se conheciam desde os tempos da faculdade.

Só não entendeu por que ele achou que Gustavo e Elisa se dariam bem se até pouco tempo tudo o que ele sabia sobre Elisa era por meio do Paulinho?

Marcelo não titubeou. Antes de conhecer Elisa, só pelas coisas que Paulinho contava, ele já percebia que Gustavo tinha um humor parecido com o dela. Idades semelhantes e apesar de psicólogo, Gustavo trabalhava com educação.

Grandes probabilidades…

Não conseguiu explicar muito bem qual era o tipo de humor que ela e Gustavo tinham em comum, mas Elisa gostou da explicação em geral.

Assim que desligaram, ela mandou um texto pra o Gustavo, dizendo que gostou muito de conhecê-lo e que podiam tomar um chope qualquer dia… oops. Apagou. Mudou pra um café. Apagou de novo. Cinema? Quem sabe sorvete?

17. Tentou tantas outras coisas que quando a mensagem foi finalmente enviada ela já nem tinha certeza do que tinha proposto.

Ele respondeu dois minutos depois (sim, ela contou). “Se tiver tempo hoje, vem andar de bicicleta comigo no parque. Tenho uma bike extra…”

Ai, bike! Será que ele tinha falado de bicicleta e ela não prestou atenção?

Teria de contar que aprendeu a andar de bicicleta aos seis anos e que sua habilidade nos pedais não tinha evoluído muito de lá pra cá.

Na hora mandou zap pra Carla. “O que fazer? “

Óbvio que Carla disse que era um programa super-romântico. “Ele vai ter de te ajudar a se equilibrar… Sabe como é…” Elisa tentava se lembrar, por que mesmo era amiga da Carla?

Uma hora mais tarde, Gustavo passava na casa de Elisa com bicicleta e capacetes. Ela explicou mil vezes que não era boa ciclista, que não andava de bike há milênios….

Ele achou graça e só quando finalmente estavam a caminho, ele falou sério: “Relaxa, Elisa, não estou te levando pra disputar o Tour de France… E se você não curtir, nunca mais te chamo. Palavra!”

Elisa gostou tanto da forma como ele falou, que teria até ido lutar sumô com ele. Ou quase isso. O sol brilhava sem escaldar e os amigos do Gustavo, todos ciclistas urbanos, deram o maior apoio pra ela.

E ela precisou de muito apoio do Gustavo, do toque de mansinho para ela se equilibrar. Tá bom, ela abusou um pouquinho…

Sabe de uma coisa, dessa vez ela tinha de admitir que a Carla entendia do babado.

18. Foram quatro semanas de intensa felicidade, aquela fase em que você fala de si, ouve sobre o outro, se encanta com as similaridades e não dá bola para as diferenças.

Se por um lado era difícil se concentrar no trabalho, por outro Elisa se via mais positiva e paciente com as situações em cada escola.

Ouvia piadinhas das amigas sem se importar e se via pensando no Gustavo como uma adolescente apaixonada. E tentava, tanto quanto possível, não se autossabotar com sua notória insegurança.

Elisa gostava de praia, Gustavo preferia montanha. Assim planejavam viagens curtas para ambos os lugares. Nem a preocupação com o orçamento a afetava.

Enquanto pesquisava aonde ir, Elisa recebeu um e-mail da nova coordenadora endereçada a todos os professores. O assunto: Algumas mudanças importantes.

O último encontro com Rosane não tinha sido animador. Elisa se irritou com os comentários que recebeu, depois que a coordenadora visitou uma de suas aulas.

Achou de mau tom o apego a detalhes irrelevantes e sentiu falta de pelo menos um comentário construtivo. Os colegas diziam que ela não devia tomar como algo pessoal.

A maioria tinha sentido o mesmo, com a diferença que bem poucos sentiram que era preciso reagir.

Entre as muitas mudanças que seriam implementadas, sem consulta ao corpo docente, estava o fim do Concurso de Historinhas, sua criação, que teve o aval e o apoio de Leonora.

Só podia ser engano! O concurso era querido por todos.Era na verdade um tremendo sucesso de RP da escola.

Não era engano.

19. Foi uma longa semana. Elisa pediu explicações à coordenadora sobre os motivos do cancelamento do concurso.

A escola gastava muito pouco com a organização e agora tinham até a colaboração de pais e do comércio local.

Recebeu desculpas protocolares. Entre elas a de que o concurso não estava alinhado com “as novas metas da escola”.

Buscou o apoio da diretora que, ela acreditava, era uma fã do evento e ouviu as mesmas respostas burocráticas.

Quando contou sobre a decisão às alunas que mais se empenharam na organização do concurso naquele ano, elas escreveram um documento em protesto, para ser publicado no site da escola.

Como resultado, Elisa foi formalmente advertida pela direção por ter incitado as alunas contra uma decisão da escola.

Era como um filme B, cujo cenário era a escola que pensava conhecer tão bem.

Elisa se sentia traída pelos colegas e pela direção e, mesmo que todos dissessem que a decisão não era pessoal, ela sentia como se fosse.

O fim do ano se aproximava e as aulas se arrastavam. Elisa tinha dor de cabeça recorrente, que parecia começar quando ela chegava no espaço da escola.

Gustavo a apoiava, percebendo o quanto aquilo era importante para Elisa.

Ao mesmo tempo a história deles era ainda tão recente, que ela não queria compartilhar demais. Felicidade é mesmo como pluma.

20. Poucos dias antes das aulas terminarem, Elisa foi chamada para assumir o cargo de professora no concurso que ela tinha passado há algum tempo.

Nem teve ânimo para comemorar, porque a situação na escola particular estava insustentável.

Acabou fazendo um acordo para ser demitida.

Aquela tinha sido a primeira escola em que Elisa trabalhou e nunca imaginou sair de lá de coração partido. Poucos colegas se despediram dela.

Quando estava saindo, a secretária avisou que tinham deixado algo pra ela: um ramalhete de flores silvestres, uma barra de chocolate e um gatinho de biscuit que era a cara do Sole.

Um grupo de alunos assinava o cartão que, Elisa, olhos vermelhos, jurava guardar para sempre.

Mais tarde conseguiu colocar Sole com delicadeza na gaiolinha amarela e foi deixá-lo na casa da tia Lulu. Estava pronta para viajar, depois de todo o estresse.

Aquele final de semana, tinha prometido ao Gustavo, ninguém falaria de escola. Essa seria a primeira viagem deles juntos.

Num chalé no alto da montanha, ao lado dele, diante de uma imensidão de céu e do perfil de colinas a perder de vista, tudo mais parecia menor.

Se Tia Dinda tiver razão, felicidade é abstração, o que conta mesmo são os momentos felizes.

Feliz daquela que sabe reconhecer quando está vivendo um.

A ser continuado...

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Selma Vital

Sou jornalista, professora e leitora apaixonada e sem método. Conheça meu projeto https://claraboiacursos.com/